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Rita Roquette

Samaín, Abundância e Respeito


É com a casa cheia que vos escrevemos neste dia especial, casa esta povoada de castanhas a secarem para serem piladas à moda de Trás-os-Montes, sementes de funcho a secarem ao lado das passas, cogumelos, frutos das rosas, milefólio, frutos de sabugueiro... É nesta altura do ano que a ideia de paraíso terreno é vivida na sua irrefutável abundância, tão acessível às nossas mãos ou que simplesmente cai aos pés de quem se passeia por bosques e jardins.

Esta é uma altura de transição, onde se agradece a euforia do Verão e se aceitam os meses de frio e escuridão que nos aguardam, o que nos pode trazer um quê de hesitação e insegurança. Em tempos não tão antigos esta era altura em que nos reuniamos para colher e preservar toda a abundância com a sabedoria dos nossos antepassados, confiando que a forma como estes o fizeram sempre lhes garantiu um estômago minimamente aconchegado durante o Inverno. Era uma forma de colectivamente honrarmos as tradições e lhes prestarmos o nosso respeito por tudo o que cuidadosamente passaram até nós, por meio da cultura que nos chegou: a história em forma de exemplo.

Estamos a aproximarmo-nos do Dia de Todos os Santos, do Dia de los Muertos, do Halloween, do Samaín: o festival que marcava o ínicio do ano dos Celtíberos, que por esta altura à volta da fogueira festejavam e levavam o calor de estar vivo ao rubro para que o podessem transportar até suas casas e o prolongassem até à Primavera. Não é um só dia como nos fazem acreditar aqueles que não têm tempo ou vontade para se dedicarem às colheitas, mas sim um período de tempo mesmo a meio do caminho entre o Equinócio de Outono e o Solestício de Inverno, que este ano seria entre 6 e 7 de Novembro. Neste hoje em que a Igreja ou o Capitalismo se apoderaram de algumas datas já é muito bom que de alguma forma ainda se levem velas e flores às campas dos que já partiram ou que se esculpam abóboras com o fogo do pavio a arder bem no seu centro, desta forma ainda conseguimos recriar um tempo/espaço para respeitarmos o exemplo de vida dos que nos ensinaram a viver e pedimos para que nos ajudem a crescer e nos tornarmos tão sábios como eles.

Temos sentido que os magustos que por esta altura se começam a avistar são a representação mais real da tradição que nos foi deixada, do Festival de Fogo Celta, ou o Magnus Ustus - a Grande Fogueira - que era acessa para nos recordarmos e respeitarmos os que já caminharam nesta vida, o ano que passou, as vidas que fomos, as personagens com que nos mascaramos... O ponto central desta celebração é o Fogo, tal como noutros festivais celtas que o incluiam, este simbolizava a tranformação para marcar a viragem de um novo ciclo e as castanhas ou bolotas eram apanhadas para ser atiradas ao lume como forma de oferendas aos que já cá não estavam, como agradecimento pela sua orientação e pelo respeito, para não dizer quase medo, que esta altura impunha e que naturalmente como espécie temos tanto da escuridão como da escassez.

É com o respeito que estes tempos impunham que nos temos sentido, neste secar das castanhas para seguir a tradição dos meus vestígios transmontanos. Durante mais de 8 dias a secar as castanhas um pouco acima do forno a lenha, revirá-las todos os dias, a tentar perceber a precição de quem sente a humidade com as mãos, elas estão agora estaladiças o suficiente para poderem ser pisadas e descascadas efectivamente. O seu cheiro é doce, completamente diferente das castanhas crúas, cozidas ou assadas e o conforto de sentir a sua secura, dureza e cor amarela faz-me sentir bem perto dos que antes o faziam, durante o Inverno só as temos que as cozer porque desta forma sabemos que não se vão estragar até lá. O pão de centeio leveda aos poucos ao lado deste fogão, não sei bem se é do fermento natural que se propaga dentro de si ou se pelo respeito que cresce em nós, que nos liga às origem de re-spectus, o re-olhar, olhar para trás ou como gosto de pensar é aquele sentimento que vem directo do rés-do-peito, onde assenta o coração.

Para as muitas tradições e culturas ligadas à Terra que seguiam a Roda do Ano, esta altura é aquela em que nos retiramos para o nosso interior, onde passa a não haver desculpas para enfrentarmos os que dividem a casa connosco e o nosso eu mais profundo, que por consequência nos obriga a crescer.

A ajuda dos nossos antepassados era sempre evocada para que uma melhor reavaliação de nós mesmos fosse feita, porque é tão difícil o fazermos sozinhos o auxílio de quem mais conhecimento tinha era fundamental. Depois da Grande Fogueira acendida em comunidade, um representante de cada família levaria uma acha ainda em fogo que perpetuaria a visão e os desejos partilhados ali e assim sabiam que colectivamente o trabalho interior estaria a ser feito mesmo que em tempos de quietude.

Nós não nos mascaramos este ano, já o fizemos antes, envisionando o que traríamos de nós ao ano que se aproximava, em vez disso este ano dedicamo-nos a dar à Terra de volta o que ela nos deu. Andamos em volta de fermentados de plantas, de tentativas de propagações de microorganismos nativos dos bosques que nos rodeiam até à nossa horta e dos chás medicinais que são aplicados com a dança do Zodíaco. Mas mascararmo-nos é sempre uma boa forma de nos ajudar a tornar real ou visível o que gostaríamos de ser neste novo ciclo ou fazer o contrário uma máscara que retrate o pior de nós - os nossos demónios - para nos servir de espelho para mais uma vez nos ajudar a ver o ridículo que muitas vezes somos...

Estes tempos, tão bem cronometrados no nosso calendário, são uma proposta de evolução pessoal e como sempre sentimos que as plantas são desde os primórdios desta Terra as grandes impulsionadoras de evolução. Não sabemos se têm ou não tempo para fazer do vosso agora um espaço de dedicação aos ensinamentos passados para que possemos transportar rsempre o melhor de nós para o presente e futuro, mas ficam aqui algumas plantas que nos podem ajudar com a sua presença nesta época de transição, tanto como companheiros de meditação ou contemplação, como convidados de honra nas nossas bebidas, comidas, incensos ou sonhos...

Alecrim - Rosmarinus officinalis

O Alecrim é plantado e usado por muitos no entanto esquecemo-nos da capacidade fora do comum que tem em florescer em várias alturas do ano e, agora no nosso jardim ele floresce como se nos desse uma cotovelada e dissesse: "Ainda estamos aqui para vos reavivar a memória da nossa existência!" . O seu nome científico Rosmarinus sempre despertou bastante curiosidade pois significa o orvalho-do-mar que se transcreve muitas vezes pelo sabor salgado que a planta apresenta. Esta substância a que denominamos orvalho foi desde sempre considerada precioso por alquimistas e herbalistas pois era considerada a água celestial que aparece do nada, que demonstra a passagem do escuro da noite até à luz do dia em forma física, que reflecte a luz lunar e incorpora os primeiros raios do Sol.

O Alecrim tem folhas curtas, estreitas como agulhas de pinheiro e está carregado de óleos voláteis por isso é difíl perceber esta conexão com o Orvalho ou o Elemento Água que dificilmente assenta na planta ou que é quase como que evaporado pelo seu forte odor e sabores tão ligados ao Elemento Fogo. Mas se pensarmos que esta planta está tradicionalmente ligada às suas propriedades de restabelecer circulação em extremidades frias ou ao reavivar da memória podemos perceber que haverá uma ligação íntima ao ser considerada o Orvalho do Mar, ao lembrar a planta que ela própria veio do mar, que ela própria já foi alga um dia e que afinal ainda é salgada...

É então esse o seu grande trabalho como essência, de cada fez que floresce ou nos inunda com o seu cheiro actua directamente no nosso sistema límbico e nos faz lembrar que estamos vivos e que somos na verdade uma linhagem de pessoas em nós, que directamente chamamos de família ou indirectamente ancestrais. Por isso é tão importante como ajudante supremo neste trabalho de rever o ano, neste final de ano Celta, para que possamos fazer o sangue quente chegar com maior eficiência aos cantos que ainda estão frios ou a memórias mais encobertas para que nada seja esquecido.

Verbasco - Verbascum thapsus

Planta bienal de folhas largas, aveludadas e de coloração verde-acinzentada. No primeiro ano mostra somente as suas folhas em forma de roseta junto à terra e no segundo ano hasteia um conjunto incrível de folhas mais diminutas e flores de coloração amarela que são usadas como emolientes e expectorantes tal como a doçura e suavidade da planta nos demonstra.

Um dos usos tradicionais desta planta é nos facilmente perceptível pela forma como as flores se demonstram no topo da haste, parece um archote em chamas, e a verdade é que a haste seca é um excelente material para começar fogo por fricção e desde os tempos romanos usada como tocha ou lamparina que depois de embebida em óleo servia como lanterna para iluminar os caminhos nas noites mais escuras.

Tal como as archas levadas para cada casa depois da Grande Fogueira de Samaín ou as velas dentro das abóboras esculpidas, esta planta ajuda-nos a iluminar o nosso interior para que possamos sem medo enfrentar o caminho tão desconhecido que aí vem porque suavemente a luz vai chegando cada vez mais longe.

Salvia Ananás - Salvia elegans

Planta alta que se distingue facilmente dos outros membros da sua espécie pelo seu aroma a ananás e floração vermelha carmesim. Conseguimos destingui-la pelos jardins nesta altura do ano já que as suas flores nos atraem magneticamente pelo seu constraste com o verde-azulado da folhagem e por já serem poucas as flores que se atrevem a abrir.rrr

Tal como as outras salvias esta transporta o nome latim salvere - estar de boa saúde, curar - que nos traz o carácter conhecedor desta planta, em inglês o nome comum mais utilizado é sage que é também sinónimo de uma pessoa que transporta uma enorme sabedoria consigo, os antigos. " Como pode um homem envelhecer com Salvia no seu jardim?" este provérbio chinês demonstra também a alta consideração que estes lhe ofereciam pelas suas propriedades medicinais como tónico da circulação e nervino que por si só já bastavam, mas também por ser um excelente regulador endócrino e um carminativo de eleição para quem tem dificuldades em digerir e regular absorção de gorduras, pois trabalha directamente com a vesícula biliar.

Esta subespécie elegans orienta-nos pelo seu nome e forma para um reino mais refinado, mais correcto no seu juízo, por isso teríamos nesta planta um poder sábio que elegantemente nos ajuda a tomar decisões que se fundamentam em paz e calma, na elegância de sabermos que estamos bem acompanhados nesta missão de transformação ou confirmação que é este ritual de passagem.

Giesta - Cytisus scoparius ou Genista scoparius

Esta planta da família das leguminosas mostra o seu uso mais frequente no seu nome latim scoparius que significa algo semelhante a uma vassoura,rrr e é dos ramos despidos desta planta que comummente se faz vassouras nos locais mais rurais. Por aqui pelo Alto Minho ainda é com frequência que ainda se vê as vassouras de giesta ao lado do fogão a lenha, estas servem para limpar as cinzas e brazas dos fornos quando já estão quentes o suficiente para cozer o pão.

É um arbusto que cresce fácilmente em locais soalheiros, em solos degradados, secos e com tendência a erosão, os numerosos e flexiveis ramos asselham-se a cabelos ou arames quando estão despidos das suas folhas trifoliadas semelhantes ao trevo, que é da mesma família. É quase sem folhas que a vemos agora, como mostra a fotografia, mas em Maio costumam estar carregadas de flores amarelas e veste-se com o nome popular de Maias. Os ramos floridos são colocados nas entradas das casas no Beltaine, a celebração celta que fica exactamente no pólo oposto do Samaín e que se festeja por agora no Hemisfério Sul.

Em vez de celebrarmos a potencialidade do feminino e masculino representadas nas flores solarengas desta planta em Maio estamos neste momento pedir a sua ajuda nesta acção de limpar o que não interessa e varrê-lo para fora da nossa casa, o habitáculo que somos e que engloba tantos, precisa de ser bem limpo para podermos ter espaço para o que interessa realmente. Dá-nos flexibilidade e creatividade para lidar com os problemas de forma a criar uma atmosfera de positivismo que remove qualquer entrave. Esta é a forma cardio-tónica vista por outro prisma, medicinalmente a Giesta é usada em quantidades minúsculas, usualmente provenientes de laboratórios médicos pois os constituíntes activos tratam-se de alcalóides potentes e dificil de regular no uso doméstico, estes que melhoram a eficiência do batimento cardíaco e a constrição periférica dos vasos sanguíneos, quase como se tivesse a mimicar o "varrer" o que está a bloquear um funcionamento eficaz.

Com a ajuda destas plantas e de tradições como os magustos, que marcam etapas importantes no nosso ciclo solar, podemos sem dúvida ser bem sucedidos neste trabalho de evolução pessoal, para podermos crescer num mundo onde a paz prevalece. Seja através de uma máscara, uma vassoura, uma vela ou uma doação à Terra espero que consigam dar corpo às vossas necessidades de transformação.

Vemo-nos em breve, no lado mais escuro do ano!

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