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Rita Roquette

O Mutualismo dos Eclipses


Ontem vimos a lua subir nos céus do Oriente. Ontem alguns de nós, sentados numa pedra de xisto duro de Arga de Baixo, ouvimos o luar cheio chegar em tons de grilos e ribeiros que se engrossam montanha abaixo. Outros, de forma semelhante ou díspar sentiram a Lua, mesmo que não a tenham visto acabaram por ser iluminados pela luz que ela recebe do sol e sente ser boa demais para não ser partilhada...

Luas cheias como esta trazem-nos um sentido de iluminação. As noites de escuridão tão temidas acabam por virar memórias, o nosso positivismo amnesico permite-nos aproveitar a luz enquanto ela existe. Devagarinho, sem pressões evidentes, a lua habitua-nos à sua forma dissolvente e acaba por nos dar razões para nos apaixonar-mos por cada uma das suas fases. Como se fosse um espelho prateado ensina-nos a gostarmos também de cada fase por que passamos.

A possibilidade da perfeição

No céu, através destes olhos terrestres, a Lua tem o mesmo tamanho que o Sol. Apesar do Sol ser 400 vezes maior que a Lua a distância que se impõe entre ele tornam-nos exactamente do mesmo tamanho... Qualquer eclipse acontece porque o Sol, a Lua e a Terra estão alinhados e depende do alinhamento para definir como um eclipse solar ou lunar. Se nesse alinhamento a Lua estiver entre o Sol e a Terra assistimos a um eclipse solar em que a Lua se sobrepõe ao Sol, se a Terra estiver entre o Sol e a Lua então a Lua fica à sombra da Terra e temos um eclipse lunar.

E hoje, foi um desses dias em que a Lua sentiu o toque da sombra da Terra, apesar de não ter antecedido o elevar da Lua no nosso céu com certeza vivemos o seu lado penumbral, suave mas mesmo assim ensombreado é assim o eclipse lunar penumbral. Já não é o primeiro deste ano, em Fevereiro tivemos a 11 um eclipse lunar e a 26 um eclipse solar. Agora em Agosto o padrão voltou a repetir-se e hoje temos o eclipse lunar e a 21 teremos um eclipse solar, mesmo que seja ao final dia somos capazes de ver um pouco desse fenómeno se formos vê-lo a uma praia próxima de nós... Este padrão serve para mostrar que os eclipses realmente vêm sempre aos pares, a perfeição existe e pode ser vivida aqui na Terra e nos céus também.

As intensidades de sombra

Há dois anos atrás, sentimos uma luz que não estava certa, uma luz que de tão abafada parecia que o céu se encobrira de fumo... Não era bom sinal, ficamos bastante assustados. Ao falarmos com uma amiga aqui da aldeia é que percebemos que se tinha tratado de um eclipse solar e por estarmos tão desinformados naquela altura não tínhamos de todo associado a esse fenómeno, nem nos passou pela cabeça! Por uns momentos conseguimos sentir algo que penso que deve ter sido semelhante às antigas civilizações que ligavam estes acontecimentos a alturas de mudança ou a situações quase proféticas. Era por certo a mesma ansiedade que envolvia o Solstício de Inverno, o não saber se o grande Sol ia continuar a diminuir ou se ia intensificar de dia para dia. Este medo de que o Sol nos pudesse ser roubado evidenciava a nossa necessidade de enfrentarmos as sombras, todos os tons de sombra...

As sombras não são todas iguais e por isso não se refugiam debaixo das mesmas palavras. Durante um eclipse como o de hoje percebemos que existem diferentes intensidades de sombra. Umbra quer dizer sombra, e é a parte mais definida e escura da sombra, aquela que mostra os contornos definidos do objecto que a ensombreia. A mesma palavra pode querer denominar as almas dos mortos, o lugar para onde estes vão ou simplesmente lugares de abrigo e refúgio. A penumbra é outra vertente de sombra que é mais difusa, apesar de não ser tão opaca cobre a luz da sua intensidade e vive na periferia da umbra. De uma forma muito suave conseguimos também sentir uma quase aura da sombra, muito mais subtil que a penumbra esta chama-se antumbra porque reside atrás da sombra e é a região a partir da qual um corpo oculto aparece completamente contido no disco da fonte de luz.

Quando começamos a nossa viagem terrena vivemos num ambiente escuro até às 18 semanas de gestação. Nessa altura e mesmo de pálpebras fechadas apercebermo-nos que existe uma luz ténue e só às 28 semanas é que conseguimos mesmo abrir os olhos. Como se fosse uma forma de gestação, os rituais de transformação ou iniciáticos começam também durante o descer do sol, porque era tido como certo que era primeiro necessário a escuridão para apreciar o caminho até à luminosidade.

As plantas também o fazem, apesar de algumas delas precisarem de luz para germinar é mais comum que necessitem do escuro húmido para se desenvolverem e chegarem à tão necessitada luz. A cada nascer do Sol as plantas focam-se no processo de fotosíntese e guardam essa energia em forma de amido, ao anoitecer esse amido é libertado e o crescimento acontece através do preenchimento das células recém-divididas das plantas criando uma expansão e por isso um aumento de tamanho das plantas. Tal como as medicinas tradicionas nos ensinam o dia é do yang expansivo que expira e sua, a noite é do yin acolhedor que inspira e nos nutre.

Existe um tempo de interior e um tempo de exterior, um beneficia do movimento do outro. Trata-se de um equilibrio criado numa relação de mutualismo, onde a cooperação vai muito para além da sobrevivência do mais forte. Na Terra conseguimos ver este mutualismo em grande parte das plantas que interagem com fungos para aceder a minerais necessários em troca de carbo hidratos que os alimentam, nas formigas que protegem os pulgões contra os predadores como as joaninhas em troca do nectar açucarado e em no nosso sistema digestivo, em especial com a flora intestinal que nos permite digerir os alimentos de forma eficiente.

São estes exemplos que nos vão mostrando que o preto e o branco já não se encaixam na sociedade actual. Que a competitividade não existe se não lhe dermos força e que só temos que dar tempo ao nosso conhecimento para ele gestar nas sombras e vir ao de cima sob a forma do melhor que podemos ser.

Os Batammaliba que vivem no norte do Togo acreditam que a Lua e o Sol lutavam durante o eclipse solar e por isso usam os eclipses como um momento dedicado ao ensinamento, onde os conflitos entre as pessoas da Terra têm que ser resolvidos para dar um bom exemplo aos conflitos celestes. Já no próximo dia 21 de Agosto a partir das 19:30 vamos poder assistir ao eclipse solar, até lá teremos tempo para reflectir as boas práticas de convivência com os humanos e o planeta em que habitamos. Esperamos que os hábitos que se vão criando se perpetuem em diferentes tons de agradecimento, mesmo que ele venha em tons de sombra.

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