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Rita Roquette

Dia das Maias no Paço de Lanheses


Eu e o Nat chegamos cedo ao Paço de Lanheses, a quietude de uma noite bem dormida ainda envolvia o lugar e o sol estava bem quente para nos despertar. Fomos à cozinha e começamos a adiantar as coisas para o almoço que iria mais tarde ser feito pelo grupo.

Aos pouquinhos foram chegando as pessoas que sentiram que a canção das plantas lhes batia à porta, as que ouviram o chamamento e por isso aqui estavam. Quando o grupo já estava bem composto pelas quase 30 pessoas que éramos, o Lourenço Almada apresentou-nos a magia e ancestralidade da sua casa de família: o Paço de Lanheses. Foi um início de actividade que nos envolveu num sentimento de pertença muito grande, já que nós naquele dia também estávamos a contribuir para história daquele lugar.

Começamos com uma caminhada pela quinta, e o grande Sabugueiro - Sambucus nigra - abriu-nos os portões à observação cuidada e animada com que este mundo vegetal deve ser abordado. Fala-mos de constipações, nódoas negras, abelhas, fadas, tingimentos... e tudo isto só com este arbusto, ou árvore pequena, que estava em plena floração. O mais pequeno encostar de nariz fazia com que fossemos borrifados de pólen esse mesmo que era partilhado sem reservas com as abelhas ao nosso lado.

A caminhada continuou por entre Erva de São Roberto - Geranium robertianum - , Papoilas da Califórnia - Eschscholzia californica, Aveia - Avena Sativa, Funcho - Foeniculum vulgare , e à medida que fomos andando fomos sentindo as diferenças que os elementos - Ar, Terra, Água e Fogo - estabelem na paisagem. Essas diferenças tornaram-se claras quando passamos os prados e entramos numa zona pantanosa irrigada por um ribeiro onde diferentes espécies de árvores habitavam, Amieiros - Alnus Glutinosa, Salgueiros - Salix atrocinerea e um avô Freixo - Fraxinus Excelsior de um porte tão majestoso que fez com que o grupo naturalmente se situasse em seu redor com um sentimento de apreciação de um monumento. Para mim um dos momentos mais bonitos deste dia que ainda iria trazer tanto!

Uma caminhada que iria demorar 1 hora e meia acabou por demorar cerca de 3 horas e meia e por isso tivemos que separar bem as tarefas entre grupos para o almoço ser preparado o mais rápido possível, mas sempre com o amor e dedicação indispensáveis. Trabalhámos em equipas: a da sopa de azedas e malvas, a da salada de cenoura com laranjas da quinta, a da salada de batata, funcho e alho bravo, a das sobremesas e a das bebidas. O esforço conjunto desdobrou-se num almoço maravilhoso que voou tal como as horas que passamos juntos.

Depois do almoço descansamos um bocadinho à sombra de vozes que riam e confiavam cada vez mais em si e no poder da Terra. Durante a tarde falamos um bocadinho mais de preparados medicinais e juntos fizemos um bálsamo de Tanchagem - Plantago lanceolata para as picadas de insectos e cortes que nos podem acontecer no futuro nas caminhadas e descobertas pessoais e também uma essência floral de Trevo vermelho - Trifollium pratense que nos poderá ajudar a encontrar a nossa própria voz, mesmo que em coro ou imersão em vida comunitária.

Quando o sol começou a descer para ir conhecer o horizonte, o nosso não o dele, chegou a altura de prepararmos as nossas coroas de Maias e Salgueiro, tal como foi feito neste dia por muitos séculos que passaram. Os Celtas denominavam esta data como Beltane, o meio caminho entre o Equinócio de Primavera e o Solstício de Verão, a altura do ano em que as flores começam a inundar os caminhos e o feminino e o masculino estão abertos à fertilidade que pulsa nas cores vibrantes que carregam. Nós, portugueses, chamamos-lhe as Maias e sem saber-mos muito bem porquê continuamos a deixá-las à porta de casa nesses dias.

Pensando nos nossos ancestrais e nestes pequenos gestos que nos unem a toda a tradição de sermos humanos, cada um fez a sua coroa pensando nas intenções que gostavam de trazer com eles para o fogo que iriamos realizar nessa noite. O resultado foram coroas muito inspiradas e com vontade de trazer a mudança, apreciação ou enraízamento de valores que cada um achou importante para si.

Houve música, histórias e corações que tal como o nosso estão abertos a festejar dias como este que mostram a nossa conexão com o Universo.

Aqui fica o testemunho de um dos luminosos participantes:

" Foi sem dúvida um dia bonito. Mas a quem devemos essa luz e essa amena e bucólica paisagem em trânsito para Maio, para além do senhor do Paço, o excelente anfitrião Lourenço de Almada, foi sobretudo a nossa oficiante do mistério dos prados, a rebuscadora dos aromáticos segredos ocultos nas palavras e nas plantas. E também capaz de extrair de um violão e da própria voz melodias desconhecidas da natureza. A polinizar a noite, as sombras e os sonhos de cada um, tal como as estrelas e gerânios da Via Láctea.

A discreta e simpática presença do David justifica por sua vez uma particular menção. Ah, como também não poderemos esquecer a inesperada e magnífica voz da Catarina a encerrar o "Fogo" de um singelo e inolvidável arraial minhoto."

Luis Guerreiro

Agradecemos a todos pela ajuda, partilha e inspiração que trouxeram consigo neste dia especial e esperamos ver-vos em breve.

Queremos também agradecer a dobrar ao Lourenço pelas fotografias e pelos braços tão abertos que nos receberam.

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