Lembro-me quando, há 6 anos atrás nós começamos a construir a nossa casinha de fardos de palha no terreno que nos tinha caído em mãos. Lembro-me do quão fácil era esquecer o nosso progresso e entrar num atropelo de dúvidas, pensando que não se fez muito naquele espaço de tempo. Das coisas que aprendi nesse tempo e que ainda hoje uso é a importância do registo, seja através de textos, desenhos, fotografias, colagens... Dá-nos uma sensação de evolução, dos diferentes pontos de maturação e por isso a nossa história é baseada nestes registos, nesses contadores de histórias que quiseram fazer parte da cultura que somos. Quando se partilham esses registos estes ganham vida, multiplicam-se pela imaginação de quem os recebe, e é esse desdobramento que enriquece as nossas vidas.
O meu escrever mudou entretanto, e o científico-prático mistura-se cada vez mais com o poético talvez porque me torno cada vez mais humana? Talvez e só porque as histórias ganham a vida imaginada que precisam de ter para sobreviverem, tal como as crianças...
Já não escrevo aqui sobre plantas há algum tempo. Essas palavras têm ficado pelas caminhadas que partilho, pelas páginas de cadernos ou simplesmente nas conversas que tenho com elas. Mas hoje, depois de chegarmos a terra firme, sinto uma vontade imensa de falar sobre a Artemísia vulgaris, a nossa grande companheira desta viajem pelos Estados Unidos. Em Portugal conseguímos vê-la com frequência mas por aqui a sua presença é no mínimo avassaladora. Está em todo o lado, em colónias de perder de vista!
Artemísia vulgaris
Nome Comum: Artemísia, Artemijo, Losna-brava, Moxa, Erva-dos-viajantes, Erva de São João.
Família: Asteraceae ou Compositae Parte usada : Folhas e Sumidades Floridas Energia: Morna, Amarga, Aromatica/Pungente
Orgãos Afectados: Baço, Rins e Fígado
Constituíntes activos: Óleos voláteis, Cineol, Tujona, Resinas, Taninos e Principios Amargos
Usada em: MTC, Medicina Tradicional, Ayurveda, Essências Florais, Medicina Popular, Homeopatia, Culinária, Alquímia
Regida por: Lua e Vénus
A Artemísia vulgaris gosta de crescer em quase todo o tipo de solos, mesmo os mais alcalinos, mas tem uma preferência por bermas de estradas e caminhos, é uma planta que gosta de estar perto das pessoas, mostrar-lhes o caminho, daí ser chamada muitas vezes a erva-dos-viajantes, a grande companheira dos viajantes. Sempre achei curiosa a sua apetência por caminhos, já que é uma planta que físicamente é capaz de filtrar solos de metais pesados como o chumbo, cobre, zinco e sais minerais. Podendo ser usada como agente de fitorremediação, já que traduz os elementos tóxicos em matéria orgânica.
Da esquerda para a direita: folha de Artemisia vulgaris no início da Primavera, frente e verso, folhas da mesma planta no final da Primavera, frente e verso e por fim folha de Artemisia vulgaris no Verão, frente.
É uma planta herbácea perene de raízes fortes e persistentes que apresenta diferentes formas durante o seu crescimento. Não conseguimos avistá-la no Inverno mas no começo da Primavera os caules pilosos ainda tenros aparecem e a planta mostra-se rasteira, de folhas lobadas e em que cada segmento é lanceolado e pontiagudo. As folhas são um verde-vivo e mais arredondadas nesta fase. Com o desenvolver do calor a planta cresce rapidamente em direcção à floração que se desenvolve entre Julho e Setembro e as folhas tornam-se mais ponrtiagudas verde-escuras com a parte inferior de um prateado que lhe é característico, os caules estriados e pilosos começam a aparecer mais avermelhados e a planta chega a atingir 1 metro de altura. As flores são pequenas, cerca de meio centímetro e de coloração amarela e vermelho-escuro.
A Deusa Artémis, divindade venerada na Grécia Antiga e conhecida como Diana no Império Romano é sem dúvida quem inspirou a nomeação desta espécie, aliás deste género Artemísia. Artémis é filha de Zeus - Pai dos Deuses - e Leto que engravidou de gêmeos, sendo a Artémis a primeira dos dois a nascer e Apolo o segundo. Neste mito a Deusa Artémis nasce com o dom lunar de profunda compreensão do feminino e com a intuição que a ajuda a compreender o selvagem e a fertilidade, e mal nasce ela põe-se ao trabalho e como parteira ajuda a sua mãe a dar à luz o seu irmão solar Apolo. No seu 3º aniversário a já muito decidida Artémis pediu 6 desejos a seu pai:
- que a autoriza-se a viver sem ter de se distrair com amor e casamento,
- um arco e flecha como seu irmão,
- um traje da caça e a liberdade de não ter que vestir-se como uma dama,
- o trabalho de trazer luz ao mundo,
- sessenta jovens ninfas como suas companheiras para a ajudar,
- todas as montanhas na terra para viver.
Por muito que queiramos distinguir mitos e verdades como polos opostos existe uma coexistência que não pode ser negada. A palavra mito vem do grego mythos que quer dizer história ou conto e que provem da cultura oral que foi passada ao longo dos séculos.
Enquanto estudava as possibilidade oferecidas sobre a origem da vida no planeta Terra e conceitos como a Biogênese apercebi-me dos limites que temos e a falta de entendimento sobre a evolução da biologia no planeta. Paleontologistas nunca se deparam com mudanças graduais mas sim saltos evolutivos drásticos e os fósseis que encontramos pode-se dizer que "são simplesmente palavras de textos perdidos".
Se pensarmos que mitos são apenas animismos dos elementos naturais como uma forma humanizada de compreender e explicar o que está à nossa volta e a origem das coisas, então aceitamos que são válidos como cultura verbal e como passagem de informação.
Mas porquê todo este palavreado acerca de Mitos e Artémis?
Tendo em conta que as plantas foram desde sempre utilizadas por nós como animais e seres humanos que somos, não é normal que as comparemos com outros elementos que conhecemos para tentar explicar as suas características? Não é normal olharmos para um disco florar de Dente-de-leão e acharmos que se parece com o disco solar? Ou para umas folhas prateadas de Artemísia e associar directamente com a Lua?
Nesse processo quase sinestésico nasce uma forma de olharmos e observamos o mundo natural sempre como um Todo e não como partes que se mantêm coerentes mesmo que separadas, como acontece no mundo científico hoje em dia.
É difícil uma pessoa se sentir sozinha em terras estranhas, com tanta agitação de "mãos" no ar, parece que estamos a assistir a um concerto dado pelo vento, em que as plantas assistem e dançam todo o feminino que são, as ninfas companheiras da artemísia multiplicam-se a todo o instante. Foi por aqui, numa noite de quase lua cheia que notei também que as folhas verde-escuro apontam para cima como se quisessem tocar a Lua e nesse jeito tão simbólico mostram a parte posterior : as folhas prateadas, a assinatura lunar nas plantas
A ligação lunar na planta Artemísia vugaris está relacionada com as suas propriedades, com a sua capacidade de relaxar o útero e ovários, de conhecer as funcionalidades do corpo feminino incluindo a regularização de hormonas. A sua afinidade com o sistema nervoso, o saber aceitar as fases lunares como fases temporárias que são agora mas que passam, artemísia é uma grande ajuda a acalmar em momentos de ansiedade, insónia e exaustão.
A nível mental a Artemisia vulgaris ajuda a melhorar a intuição, a percepção e ajuda a fortalecer a memória. Os óleos essênciais de modo geral ajudam-nos a enraízar e superar momentos de transição e emocionalmente deixa-nos mais despertos em relação aos nossos verdadeiros sonhos, mostra-nos a coragem necessária, como se nos liberásse, para que tal como Artémis, possamos mostrar o nosso lado mais selvagem e nos possamos sentir mais livres.
Esta planta foi descrita por diferentes tribos e civilizações como que usada em rituais de purificação e de conexão com o lado mais intuítivo que conecta o inconsciente com o consciente. Nestes rituais a planta seca era queimada em forma de incenso cerimonial ou mesmo fumada. O uso de almofadas de cheiro na cama dos mais pequenos e adultos ajuda a promover sonhos que são mais lúcidos e que nos guiam no nosso dia-a-dia na interpretação dos sonhos e que conectam o corpo físico ao espiritual. Com a ajuda deste ser mágico podemos trabalhar os sonhos em três níveis: o simples lembrar de sonhos, os sonhos lúcidos ou cognitivos em que conseguimos ter noção de que estamos a sonhar ainda a dormir e por isso podemos manipular ou viver os sonhos e por último podemos trabalhar os sonhos precognitivos, isto é, quando sonhamos eventos futuros.
A Importância dos Nomes Comuns
Os nomes comuns são muitas vezes desclassificados, tal como os mitos, porque a nível científico existe muitas vezes a sobre-posição de plantas com o mesmo nome comum mas que podem ser espécies completamente distintas quando traduzimos para o seu nome científico. No entanto, quando falamos de etnobotânica, é importante tentar perceber porque é que certas plantas foram baptizadas com os nomes que carregam entre a linguagem popular, porque muitas vezes nos contam os usos populares das espécies em questão.
Neste caso os nomes Erva-dos-viajantes e Erva de São João saltam como mais relevantes. Erva- dos-viajantes pensasse que é um nome utilizado devido à sua capacidade de ajudar em momentos de exaustão e que tal como se apresenta nas bermas dos caminhos esta planta abre caminhos intuítivos tão necessários para os viajantes que peregrinavam durante dias a fio sem mapas e dormiam em florestas e bosques tal como Artémis. Erva de São João está ligada à figura de são João Baptista- o eterno viajante, pregador itenerante e visionária que espalhava o baptismo como forma de reunificação com a nossa essência e que vivia entre arbustos e árvores e se nutria das suas abundâncias.
A Cerveja da Deusa
Os Anglo-Saxões chamam esta erva de Mugwort (derivado de mug- caneca e wort/wyrt - planta ou erva usada) pelo facto de ser uma das mais usadas na fabricação artesanal de cerveja antes desta vir a ser substituída pelo lúpulo. Acontece que durante em 1516 foi decretada a Lei da Purificação na Bavaria que decretava regulações aquando o fabrico de fermentações alcoólicas, neste caso cerveja. O que antes era um processo alquémico denominado de gruit que era povoado de plantas medicinais, aromáticas, diferentes frutos, bagas e cogumelos, passou a ser um simples processo que envolvia somente água, cevada e lúpulo. Lúpulo - Humulus lupulus tem propriedades sedativas em vez das capacidades eufóricas e até psíquicas da Artemisia vulgaris por isso passou a ser uma forma mais fácil de controlar os espíritos insaciáveis que procuravam uma ligação com o mais divino de si.
Usos e Desusos
Pode ser tomada em infusão leve - 1 colher de chá de folhas secas para cada chávena para digestão lenta ou aquando o uso exagerado de substâncias gordas - óleos, nozes... A mesma infusão pode ser usada para melhorar dores menstruais ou trazer menstruação em atraso.
Incenso - Amassar folhas secas que foram apanhadas antes da floração e na fase da lua que favorece a energia que nos queiramos concentrar. Fazer um cone ou serpente com as folhas e deitar num prato ou madeira usado para incensos e queimar para purificar espaços, pessoas e aumentar a nossa capacidade intuítiva que nos pode ajudar também no tempo do sonhos.
Óleo Macerado - Colher as folhas e flores e deixar um dia a secar. Submergir em azeite ou óleo de girasol prensado a frio durante um ciclo lunar - p.e. de lua cheia a lua cheia. Este óleo pode ser usado para massajar o ventre em casos de menstruação irregulare aumentar a fertilidade feminina. Pode ser usado como substituição de Moxa.
Essência Floral - Colher as flores na manhã de lua cheia com tesouras para que não haja intervenção energética e colocar as folhas em água de fonte durante umas horas ao sol e perto da planta-mãe. Coar as flores e adicionar aguardente vínica na proporção de 1:1 para poder ser conservada por um período mais longo. Ao tomarmos 10 gotas por dia estaremos a harmonizar as nossas forças subconscientes, as nossas emoções e a nossa conexão com os sonhos.
A ingestão interna de Artemisia vulgaris é desaconselhado a mulheres que estejam grávidas pois pode causar aborto espontâneo.
FONTES BIBLIOGRÁFICAS:
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Alpel, Thomas Botany in a Day
Rose Bennett, Robin 2014 The Gift of Healing Herbs - Plant medicines and home remedies for a vibrantly healthy life
Evert Hopman, Ellen A Druid’s Herbal
Tierra, Michael The Way of Herbs
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Frawley, Dr. David et Lad, Dr. Vasant 1993 The Yoga of Herbs - An Ayurvedic Guide to Herbal Medicine por Lotus Press
Rodway, Mary A Wiccan Herbal