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Vozes Antigas, Ouvidos Recentes


Existem momentos em que olhamos para as estrelas, em que nos perdemos no céu e aceitamos que somos uma ínfima parta desta infinitude que nos rodeia mas, no segundo a seguir estamos focados num pirilampo que passa e, que tal como as estrelas emite luz mas através de um processo bem diferente, o de bioluminescência: uma reacção química que ocorre no abdómen destes insectos.

A curiosidade humana, tem tendência a expandir e contrair, a ir do maior ao mais pequeno e vice-versa, consecutivamente e em segundos. Se essa curiosidade não fôr castrada teremos eternos momentos de questionamento e admiração ao longo da nossa vida e nunca perdemos a grande dádiva que é a imaginação. É esse importante factor que uma ciência que é holística na sua essência aceita, que esta visão global é fundamental e deve ser sentida pela pessoa que a estuda, como elemento activo no processo.

Quando começamos este percurso dedicado às plantas o nosso grande foco era a etnobotânica, o estudo do conhecimento tradicional das plantas que nós, como espécie humana fomos adquirindo ao longo da história, os seus usos e a sua importância no desenvolvimento da cultura humana. Nunca pensámos que uma vez que puséssemos os pés nessa estrada, todos os caminhos que se entre-cruzam nos abraçariam como um labirinto de informação que acabou por nos envolver como eternos estudantes que hoje somos:

Plantas como nutrição, plantas como ferramentas, plantas como abrigos, plantas como arte, plantas como cosmética, plantas como medicina, plantas como pioneiras de vida no planeta, plantas como doadoras de oxigénio, plantas como música, plantas como ritos, plantas como mitos, plantas como planetas, plantas como guias, plantas como energia, plantas como Espírito...

Neste caminho, aprendemos que o mais importante é nunca nos esquecermos que somos parte deste sistema elementar chamado Terra, chamado Universo, e que se nos alienarmo-nos deste facto não teremos acesso ao que os nossos ancestrais tíveram, e a informação angariada não terá nehum valor.

Blue Deer Center

Esta viagem pela América do Norte tem me ensinado o verdadeiro significado de ser indígena, de ser nativo, de presenciar a origem. Neste país longíquo, onde desde o outro lado do Oceano Atlântico vimos crescer todo o género de desenvolvimento e capitalismo, daqui consigo ver que o que ainda existe da sua origem é tão especial que nos faz conectar ao que foi muito mais fácilmente do que o que é neste momento. As florestas extensas, a presença dos animais, as espécies antigas que aqui habitam ainda...

A Europa foi pesadamente habitada por demasiado tempo e por consequência dizimada dos seus recursos naturais. Aqui as árvores ainda têm vozes roucas de tempos passados e os animais aparecem-nos sabendo que o habitat é mais deles do que nosso, quase que de forma jocosa, como se dissessem "Tu que deixaste este espaço há tanto tempo, será que sabes viver connosco outra vez?"

Por entre trilhos de parques naturais e cascatas que eclodem de pedras avermelhadas chegámos ao Blue Deer Center, em Margaretville. Fomos recebidos com sorrisos que acompanharam as indicações de onde deveriamos ir buscar um bocadinho de tabaco ceremonial - Nicotiana rustica - para oferecermos a esta terra em forma de agradecimento, este terra que desde a Antiguidade tem aceitado ser comprartilhada connosco humanos, como local consagrado das tribos Onondaga, local de concílio entre tribos, local de paz. O rio que atravessa a propriedade é feminino e tem um nome por que gosta de ser chamada de Saskawhihiwine, foi lá que deixamos as nossas preces em forma de tabaco.

Este era um dia em que ainda mais que todos os outros essa natividade era celebrada neste local tão cheio de vida.O Blue Deer Center é um local especial, desde a abertura do centro há mais de 10 anos que se dedicam a honrar as tradições ancestrais a nível medicinal ou de cura, onde trabalham com rituais para fortalecer a conexão com o Indivíduo e o seu propósito, a Comunidade e o Mundo Natural. O sentimento que permeia tudo o que fazem é que a Natureza é sagrada, está viva e possui uma sabedoria imensa e para estarmos em harmonia com este mundo natural temos que entender e respeitar a sua sacralidade. Desta forma reconectamo-nos ao nosso propósito e percebemos o que somos, onde estamos e o que há a fazer.

Abertura do Fogo Sagrado , fotografia do Blue Deer Center ©

O grande Fogo Sagrado foi aberto segundo a tradição Huichol com diferentes ofertas ao Fogo em forma de resinas, sementes, plantas e madeira e os corações foram aquecidos pelo seu calor. Duas mulheres de diferentes tradições - Mohawk e Oglala Lakota - partilharam a sua vida, os seus ensinamentos, e antes de qualquer palavra os agradecimentos aos Elementos.

Diane Longboat e CharleneO'Roarke fotografias do Blue Deer Center ©

Foi um dia incrível, de muita partilha e emoção, um turbilhão! Nessa noite dormimos na margem de um rio como já se torna habitual neste caminho, por entre as estrelas, os pirilampos chamados aqui the fireflies - moscas de fogo - e as grandes cabeças de angélicas floridas - Angelica sylvestris. Todos estes elementos brilhavam numa beleza indiscritível, e nós sentimo-nos mais humanos neste mundo natural, um humano que não é mais que uma minúscula parte.

No dia seguinte voltamos lá, desta vez para partilhármos no Fogo Comunitário a experiência do dia anterior, este fogo ajudou-nos a ver os sentimentos e palavras entre todos, porque cada um tem uma forma de sentir e experenciar o mundo, e cada uma de uma beleza única. Saímos de lá ainda com mais certezas do nosso caminho de dedicação a este Universo que nos acolhe, o mínimo que podemos fazer é retribuir.

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