Ontem subi à Serra de Arga, pelo meio da chuva levezinha e da neblina, com a saca cheia de estacas de sabugueiro, salgueiro e pés de loureiros... Numa aldeia onde já vivi, agora eu fazia parte da vista que antes tinha da varanda. Esta encosta de São Lourenço da Montaria, pedregosa e acidentada vai agora ter novas sombras para albergar vida.
E como um uivar de lobo, sente-se palavras antigas a chegarem...
E se pedirmos às pedras para voltarem a ser guardiãs de vida? Será que então a lembrança das memórias do início dos tempos fará despontar nova vida?
Há que lhes agradecer pela sombra do seu rabo pesado, pelas rugas onde colectam a matéria vegetal, essas profundezas onde se decompõe a idade em terra nova. Há que venerar a sua erosão lenta, a doação humilde aos elementos que as torna espaço de vida. A água que lhes passa a mão e vai adoçando as formas, os ácidos dos líquenes que a fazem porosa, o vento que as esculpe, o musgo que as cobre. Tudo para proteger a rocha mãe, para termos matéria que pisar e chamar casa.
Como jardineiros de terrenos pedregosos temos muito que aprender. Por onde vai a água em dia chuvosos? Quantos regueiros? Quantas poças e pias? O tempo esculpiu o terreno antes de nós e por isso temos que observar, sentir muito antes de plantar. Tudo está atento. O terreno vai se conhecendo ao silêncio da chuva.
Geomância em escala megalómana. Fetos-comuns indicadores de profundidade ou possíveis rachas invisíveis à superfície. As estacas vão saindo, uma a uma, um dia virão a ser árvores. Venha o calor, venha o gado, as raízes estarão com as pedras.
Estão bem guardadas.
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