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Rita Roquette

Genesis Farm - Literacia da Terra


6 de Junho, Blairstown NJ

Na noite anterior dormimos na Worthington State Forest, na margem do rio Delaware que foi elegido pela tribo Lenape para ser o seu território e onde ainda hoje se encontra vestígios dessa co-existência, e que é também um dos locais por onde passa o Appalachian Trail, um dos grandes caminhos de peregrinação que percorre a costa este do país. Nessa noite fomos totalmente embalados por sonhos com sons de corujas a necessitar de companhia para a Estação, quando se dorme ao abrigo de àrvores e animais parece que os sonhos são mais profundos, com mais significado.

De manhã fizemos o caminho que nos ligava à Genesis Farm e fomos recebidos com uma murrinha que mais parecia como uma cascata de orvalho. A quinta estava em silêncio, era dia de descanço, no entanto fomos convidados a percorrer os caminhos entre florestas e jardins cheios de vivacidade...

Depois de rezarem por um pedaço de Terra onde pudessem cultivar o cuidado pelo planeta, a Irmandade Dominicana de Caldwell NJ foi presenteada em 1980 com uma quinta, que os seus donos acharam que seria o melhor destino para a propriedade quando partíssem.

Quando entramos neste sítio especial sentimos que eles não estavam enganados. Existe um sentido de apreciação e cuidado por tudo o que é e ficamos a saber pela irmã Miriam um bocadinho do São Domingos de Gusmão que de forma semelhante ao seu contemporâneo e amigo São Francisco de Assis seguia uma vertente mais ligada ao gnosticismo e por isso à integração do conhecimento directo do sagrado como verdade pessoal e forma de ascenção, não muito diferente da crença budista.

O trabalho destas irmãs começou do zero e sem apoios exteriores, só vontade de partilhar o caminho que escolheram e melhorar o estado do planeta que estava a começar a ficar intoxicado, desde o ar, às águas, aos alimentos e finalmente traduzindo-se na Terra que nos acolhe. O seu ponto de partida foi o tentarem recriar a escala de pequenos produtores que estava a começar a ser erradicada pelo país e por isso em 1988 decidiram começar um dos primeiros projectos de Agricultura suportada pela Comunidade.

Hoje esta Comunidade Agrícola não só cultiva quase 50 hectares de alimentos biológicos como tem um pomar de mais de 200 árvores de fruto de espécies mistas também tratadas com as especificidades da Biodinâmica. Este projecto envolve um grande número da comunidade local como pudémos ver enquanto ajudamos os voluntários no dia seguinte a transplantar couves-de-bruxelas para covetes maiores e mondamos os campos de cherívias. Também recebem aprendizes que ficam durante a época de produção para sentirem o trabalho profundo desde a germinação, à manutenção e colheita dos alimentos. Estes foram com quem mais trabalhamos e sentimos que todos eles apesar de não quererem ficar na quinta para sempre têm uma enorme vontade de começar projectos que envolvem produção de alimento com a finalidade de desenvolvimento comunitário, as grandes mudanças que as irmãs esperavam!

Existem diferentes tipos de quotas, pessoas que querem receber os produtos 1 vez por semana ou 2 vezes por mês ou pessoas que em troca de algumas horas por mês recebem o seu cabaz a preços reduzidos. Mas todos eles contribuem para um melhoramento das práticas agricolas através das escolhas que tomam e que percebem que este é o poder das nossas escolhas como consumidores.

Entre bordaduras de plantas medicinais que suportam o composto e vivacidade da Terra encontramos grandes quantidades de Milefólio (Achillea millefolium), Consolda (Symphytum officinale) , Valeriana (Valeriana officinalis), Camomila (Chamamelum nobile)... Todas elas são usadas em preparados biodinâmicos, em misturas quase homeopáticas para acelerar os processos de regenaração do solo.

Enquanto ajudava Yelena, uma das pessoas devotas a este espaço, apercebi-me da força que espaços como este criam no interior de cada um que se abre à sua magia, que está aberto a apreciar a grande transformação que o mundo natural proporciona em nós. Yelena fugiu grávida da Moldávia há 25 anos, foi-lhe concedido exílio nos Estados Unidos pois o seu país encontrava-se em estado de guerra e depois de muito se ter sentido sem raízes ela finalmente encontrou um lugar onde pode pôr as mãos na Terra e enterrar a cara em livros recheados de informação que a fazem ligar às suas tradições tão terrenas.

É este o outro lado da Genesis Farm, o centro de Literacia da Terra. Aqui o trabalho é mais mental e espiritual: entre livros, jardins que ensinam e rodas de medicinas ancestrais... A grande biblioteca está carregada de recursos que vão desde geologia, à cosmologia, passando por culinária, permacultura, etnologia... Um sem fim de informação que não dá para ser absorvido sem pausas para tocar na Terra e digerir com a acção do movimento de cuidar. Ao longo do ano ensinam pessoas a viver com simplicidade, a comer bem e a trabalhar o que nos motiva, recebem workshops de quem sente que tem algo para partilhar.

Existe também espaço para ceremónias de transição: de estações, de etapas, de pessoas... Todo o local é povoado de templos com significado própio, locais de meditação, locais de prece como a roda da medicina nativa americana onde as pessoas vêm celebrar os Solestícios, Equinócios e outros dias do calendário da Terra através de prece activa e onde são semeadas flores silvestres no Vale dos Ancestrais em forma apreciação por todo o trabalho feito por aqueles que nos precederam.

Deixamos aqui um vídeo que mostra um pedacinho da visão da Irmã Miriam que com certeza traz toda a emoção que este local sagrado transmite, a mistura de simplicidade e iluminação:

O nosso caminho de 3 dias por lá terminou com o sentimento de que iríamos voltar e que de alguma forma nunca deixaríamos de lá estar.

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