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Rita Roquette

Hawthorne Valley II


15 de Junho, Ghent NY

Mesmo entre os sons metálicos dos sapos-touro consegui ouvir vozes a falarem em "Português??" Aqui no meio do nada, no meio do rural que este país oferece, Nat ouviu um casal a passear e ao ouvir a língua que agora o acolhe não perdeu tempo em ir falar com eles. Foi assim que meia surpresa os vi a virem por entre a floresta e o lago.

Eram o Bruno e a Bruna, e apesar de serem brasileiros já vivem nos EUA faz um tempo. Bruno trabalha com a biodinâmica em matéria de solos e fertilidade e a Bruna que até agora estava mais ligada ao factor social com ligações à Permacultura virou para o mundo das plantas medicinais e está a pensar dedicar-se a 100% ao assunto. Sempre me senti mais do que confortável nestes encontros tão espontâneos e neste caso foi um presente maravilhoso mesmo que o tempo com eles foi muito rápido, entre o entardecer e a noite.

De manhã tomamos um banhinho no lago na companhia de percas gigantes que filtravam a superfície da água com as suas largas bocas. Quando os nossos estômagos reclamaram eram aí umas 7 da manhã e decidimos ir ao mercado da Quinta, o cheiro maravilhoso que vinha da padaria deixou-nos plantados à porta. A trabalharem desde as 4 da manhã uma equipa de 3 padeiros tornou o cereal que ali cultivam em alimentos maravilhosos que agora arrefeciam bem perto da porta de entrada para que depois fossem postos na loja. O perfume era divino e o cansaço deles não se sentia de todo, talvez o aroma de alguma forma os manteve despertos também!

Mal o mercado abriu fomos buscar os nossos tesouros embrulhados em canela e passas e ficamos a escrever nos nossos diários de bordo por um bocadinho até que o Bruno apareceu outra vez e ofereceu-se para nos mostrar o seu projecto de composto ali na Hawthorne Valley Farm. Bruno é formado em Geologia mas desde cedo percebeu que os processos que dão vida ao solo provocavam mais entusiasmo nele. Hoje trabalha no Nature Institute em Ghent e foca-se na pesquisa e estudo de compostagem e também apoia algumas quintas no seu programa de compostagem, que em grande escala tem muito que se lhe diga.

Bruno num workshop sobre composto, © The Nature Institute

Como seguidor dos princípios biodinâmicos acredita na importância que os Elementos desempenham no processo de compostagem: a Terra é o elemento base que serve como "inoculador" da pilha de composto, o Fogo é o calor que é produzido na pilha e que normalmente vem do azoto e fósforo presente nas plantas frescas, o Ar é introduzido na reviragem da pilha e essencial à decompsição e por fim a Água que está presente na humidade natural da pilha ou que é adicionada no processo. Todos os Elementos são necessários, imprescindíveis até e o equilibrio entre eles é o que faz com que o composto esteja apto para trazer a fertilidade ao solo em menos tempo que decomposição natural, mas pelo que percebemos a compostagem é um processo que tem que ser observado de forma cuidada para podermos retirar o melhor produto final, se não podemos mesmo danificar o solo em vez de o ajudar.

Em Hawthorne Valley o processo de compostagem acontece numa escala que não é natural para um mero jardineiro presenciar. A quinta aloja umas 60 vacas, que aproveito para dizer que são muito bem tratadas em regime de liberdade de escolha, e já que elas dormem no mesmo sítio todos os dias a acumulação de matéria orgânica é imensa. Este local necessita de limpeza 3 vezes por semana, o que significa contentores de matéria equilibrada para compostagem por semana e quase nunca é necessário adicionar mais carbono ou matéria-verde. As pilhas são revolvidas aquando a inspecção para controlar o processo e com um pequeno tractor o trabalho é feito muito rapidamente. Normalmente o composto está pronto em 2 meses e volta de novo à Terra. Como os agricultores gostam de ter provas concretas dos benefícios de novos processos estes têm que ser comprovados ano após ano à medida que as colheitas vão sendo feitas. A verdade é que desde que esta quinta começou a usar o seu composto a produção de cereais aumentou para o dobro em comparação com os anos anteriores, o que é um grande ganho já que isto acontece só usando os recursos que já têm. Não só produzem mais como têm mantimentos de feno para os animais, o que num clima tão frio no Inverno é uma grande vantagem.

No fim da manhã fomos visitar o The Nature Institute fomos passeando pelos campos até lá chegar, a este local calmo onde vive o centro de pesquisa e partilha do que são as ciências naturais vistas como um todo, onde o próprio obervador se inclui como parte integrante do sistema observado.

É uma instituição sem fins lucrativos que desde 1998 se estabeleceu neste pacífico vale. Durante o ano desenvolvem várias actividades educativas que giram em torno de empoderar as pessoas a validar os sentidos em conjunção com o pensamento como ferramentas para conhecer e participar no mundo natural de que fazemos parte.

Numa época em que a tecnologia entra nas nossas vidas de uma forma tão rápidal e constante neste espaço a sabedoria é cultivada pela experiência, pelo não apresentar de conclusões abstractas e repentinas sem primeiramente vivenciar a nossa resposta física ao objecto ou fenómeno em si. O que nos traz ao saber de verdade, ao "Eu sei porque já o senti, vezes e vezes sem conta por isso já faz parte de mim!". Devemos fomentar a nossa capacidade de aceitar que somos capazes de ser portadores de uma sabedoria que nos chega de forma limpa e consistente quando nos envolvemos com a vida que nos rodeia. Parece mais fácil hoje em dia aceitar-mos o que uma identidade autoritária nos diz que é verdade do que irmos experienciar por nós mesmos e descobrimos se é ou não verdade para nós.

Publicam também edições ligadas a este processo de observação continuada e muitos dos textos estão também disponíveis no site: www.natureinstitute.org. Uma edição que gostei particularmente foi o Extraordinary Lives - Disability and Destiny in a Technological Age do Steve Talbott que é também um dos investigadores do Instituto. Neste livro ele expõe 3 histórias diferentes onde pessoas que vemos como debilitadas acabam por alcançar uma percepção muito mais real do nosso mundo.

Deixamos aqui um pequeno vídeo sobre a forma como o mundo se exprime se não o censurarmos com a nossa capacidade de acharmos que sabemos porque nos imposeram essa visão. Se quiserem saber só sobre o instituto e não tanto sobre Steiner e Goethe, que achamos que vale a pena, passem até ao minuto 30:40 onde Craig Holdrege fala mais sobre o trabalho que eles fazem. Mais uma vez, vale a pena ver todo se tiverem tempo.

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