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Árvores caídas não dormem em vão


Aqui a paz existe e prevalece.

Neste ponto de floresta tudo é vida e transformação, tudo se renova, nada é em vão.

Nas árvores caídas não vejo perigo, nem receio que o Fogo venha a consumir esta área. Esta ideia de que os incêndios que nos consomem é devido à má gestão dos espaços florestais, já não entra, já não dá para engolir... Os sistemas florestais passam por ciclos de transformação evidentes. Uma coisa que raramente vemos em zonas florestadas naturalmente é o solo a descoberto, o que vemos é um sem número de matéria orgânica em decomposição, um cheiro a Terra, um sentimento de vida incontestável.

Deste lado do Oceano, neste sítio onde tudo é manipulado o mais possível e tranformado numa mistura homogénea que não dá para perceber a origem as florestas pelo menos permanecem. Ainda habitadas por seres antigos, árvores com 300 anos inscritas com o nome de dois alguéns que decidiram marcar o seu amor com o testemunho de quem há muito aqui vive. E esse amor ainda não desapareceu, continua a expandir com a força da casca antiga que a protege.

Nestas florestas da América do Norte as árvores são deixadas caídas quando decidem tocar a Terra, extasiadas por finalmente poderem dar de volta tudo o que puderam ser. As árvores viram vida mesmo depois da vida que foram, é a reencarnação mais óbvia que podemos sentir, árvores crescem em forma de insectos, em forma de pássaros, em forma de meditação, em forma de Terra... O Fogo não as consome com a voracidade que vemos em Portugal, aliás, é muito raro verem-se incêndios nesta costa Este.

Ano atrás de ano ouvimos as moto-serras a trabalharem incessantemente no monte:

" Estamos a limpar o mato, é para proteger do fogo! " dizem os que lá em cima trabalham.

Mas o Monte sabe como se proteger a si mesmo, o monte sabe que todos os anos esse risco nunca vem do interior do que é mas sim desta energia destructiva de quem consome a floresta, que não vem do Fogo mas sim dos que querem ganhar com uma floresta dizimada. O Fogo sempre foi visto pela nossa tradição humana como o Elemento de criação, de movimento, de paixão, comunhão e apesar de ter esse lado de possível destruição é visto como o elemento de transformação pela sabedoria de quem o sabe respeitar.

Faz sentido falar do Fogo neste momento em que o Sol está alinhado na constelação de Leão e a Lua Negra deste mês está hoje também bem assente nesta posição. Leão é um dos 3 signos que representam o Fogo no Zodíaco, é o signo fixo deste elemento, ou seja, o que mantem e preserva este Fogo em nós - o Guardião do Fogo. Estamos no tempo entre o Solesticio de Verão e o Equinócio de Outono, na altura em que se celebra o Lughnasadh ou Lammas, o primeiro festival das colheitas do calendário Celta. Neste momento a constelação de Leão está a dar-nos a força e confiança necessárias para accionarmos aquela ideia, vontade ou parte de nós que quer tornar-se palpável e estabelecida.

Nesta primeira colheita, o milho há de ser colhido e apesar do Sol estar ainda bem presente e forte no nosso dia a verdade é que os dias estão a encurtar e a ideia do voltar à escuridão já não nos parece tão distante. Esse milho trará luz nos meses escuros, tal como a luz que emana quando é desfolhado e nos aparece como ouro nas nossas mãos. Tal como o Fogo do Sol faz o milho doirar, faz também accionar o nosso potencial, as capacidades que queremos transportar e manter no nosso ser, mesmo nos meses mais escuros. É agora que angariamos essa energia para podermos aquecer o nosso ser e quem nos rodeia mais tarde no frio do Inverno, tal como quem abastece uma despensa depois da colheita.

Quantas vezes os nossos ancestrais não se reuniram à volta do Fogo? O Fogo sempre foi visto como um Elemento Sagrado e necessário no concílio, cura e expansão de indíviduos e comunidades. Era o coração da comunidade que necessitava de ser mantido no nosso dia-a-dia, de ser guardado e apreciado por todos como o espaço físico e espiritual de partilha e ajuda entre todos, o lugar onde a compaixão vem ao de cima e nos permeia. O Fogo foi sempre na nossa história o Elemento que povoava a casa ou mais em especial a cozinha: o coração da casa, onde a comida e o amor eram partilhados pela familia que se reunia.

O Fogo quando usado de forma desrespeitosa não traz beneficio para ninguém e só evidência o "Não brinques com o fogo, acabas queimado!" ou o " Quem brinca com o fogo acorda mijado.". A sabedoria popular traz consigo a sacralidade deste elemento e o respeito com que deve ser mantido.

E hoje, neste dia especial somos àrvores que caem, caem porque querem oferecer espaço para sermos mais, querem dar espaço para conhecermos o Fogo que reside na Terra em forma de actividade e decomposição. Hoje os pedaços apodrecidos que estão a mais querem ser matéria orgânica que contribui para a criação de humidade e fertilidade neste sistema florestal, a mesma matéria que ajudará a criar resistência contra estes fogos criados com más-intenções. Afinal quem é que nos protege de quem começa estes fogos?

As árvores caídas e o Fogo comunitário vistos como espaços sagrados.

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