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Rita

Entre Piñeres e Freixos


No início do mês de Outubro a Associação Divulga Caminho - da qual fazemos parte - foi convidada a ser parceira num programa Erasmus+ que a Associación Medra das Astúrias estava a preparar. O programa tinha como título "Grow Roots in the Countryside" e a ideia era criar espaços de crescimento onde pessoas de diferentes países, que estivessem já a viver no espaço rural ou com vontade de o fazer, pudessem expressar ideias e visões para uma vivência mais fértil nestas zonas.

Deste lado de cá, fomos eu e o Sérgio, o nosso vizinho de Venade que tal como nós anda envolvido em construção e sustentabilidade. Saímos na furgoneta do Sérgio de manhã, o caminho ainda era longo, várias paragens para farnel, vistas e finalmente aventurados por caminhos sinuosos que supostamente eram só para a pastorícia lá chegamos a Cuérigo, quando o dia já se deitava na noite.

Ficámos instalados num hostel que pertencia a uma família da Vila, das poucas que decidiu não ir viver para a cidade, e apesar dessa noite ainda não estarem presentes todos os participantes ao jantar já nos sentimos em casa.

Todas as manhãs caminhámos até à estação de comboio para irmos até Piñeres, uma vila que se situava a uns 20 minutos de distância. Nestas Astúrias tão remotas é incrível pensar que as infra-estruturas ferroviárias que ligam estas aldeias são uma memória das necessedidades que a indústria minéria espelhou na região.

Durante todo o caminho as grandes montanhas cobertas de verde arbóreo lembram-nos como é possível criar e replicar um sistema florestal tão evoluído e em constante apoio mútuo. Quando se via um espaço aberto pela pastorícia no meio do arvoredo sabia-se que quando essa actividade parasse bastariam uns 5 anos para que voltasse a estar florestada naturalmente pela mesma flora espontânea que aqui temos: Freixos, Carvalhos, Castanheiros, Pilriteiros, Faias, Bétulas, Sabugueiros, Avelaneiras...

Em Piñeres, o nosso destino era uma pequena comunidade sustentável onde cerca de 8 pessoas moram, embora que quando lá estívemos só estavam 4, o resto estava em fase de emigração. A vida aqui é espaçada, o trabalho divido entre todos e a principal fonte de rendimento é mútua e baseia-se na construção de yurts, para quem não conhece este tipo de construções: um yurt é um tipo de habitação móvel, tradicional da Ásia Central e que no caso de nos decidirmos instalar no meio rural facilita-nos a possibilidade de não termos que passar por entraves de construção pois como não impermeabiliza o terreno e não tem um caractér permanente por isso não necessita de licenças de construção, no caso de terrenos onde a consrtrução seja restringida, como Reservas Naturais ou Zonas Protegidas, são uma boa solução.

Começávamos as manhãs no yurt comum em Piñeres, e os pontos em nos uniam falavam em linguagens de 6 países diferentes, mas todos cheios de alma e vontade de fazer a diferença. A abertura para co-criar por parte da equipa da Medra foi sentida desde o início, enquanto perguntavam antes de se explicarem a si mesmas, qual o sentido que um curso como este indicava dentro de cada um de nós e assim começamos com os dois pés a sentir bem o chão asturiano.

No primeiro dia aprendemos com a Julia, que vive na comunidade faz uns anos, as melhores técnicas, madeiras e soluções para a construção de um yurt. A verdade é que apesar de ser um tipo de tenda, confere uma resistência e acolhimento como qualquer outro tipo de habitação mais permanente Visitamos a oficina de produção em média escala dos seus yurts e podemos ver como a madeira passa pelos processos de vapor e de formatação, Durante os dias em que lá estívemos foi sempre comum ver alguém ir à oficina e cumprir parte do seu trabalho como artesão, tal como abelha trabalhadora...

Das actividades que mais me marcaram ou que de alguma forma me inspirou à acção foi o dia em que falamos de Redes de Suporte Mútuo, já que para nós o caminho do estrelato individual não faz qualquer sentido nesta forma de vida removida da competição, e que contradizendo o Sr. Darwin, não facilita a evolução. A Lu conduziu-nos numa conversa sobre o trabalhar em rede e a importância que esta união significa para a propagação da vitalidade comum, falou-nos da RAMAS - Rede de Apoyo Mútuo de Astúrias que foi começada por um grupo de pessoas, neo-rurais se quiserem, que se sentiam um pouco isolados neste novo trilho. Com actividades esporádicas e diferentes grupos de acção que variam desde grupos de consumo consciente, trocas de produtos e sementes, grupos de trabalho ou ajudadas, o compartir de habilidades, formações e mercados, e muito mais... Num regime nem sempre demarcado reuniam-se para tomar decisões e/ou falar de necessidades para que houvesse sempre uma ideia real do processo comum que apesar de muitas vezes distanciados estão em conexão.

Sinto que neste nosso Portugal de tamanho portátil e de valor imenso esta conexão é feita livremente, se bem que a intenção focada é sem dúvida uma mais valia, nomearmos o movimento de conexão acaba por trazer uma proximidade entre todos e a sensação de acompanhamento contínuo. Sei que existem vários grupos de transição activos em diferentes partes do país mas com um foco em zonas bastante populadas, as necessidades das zonas rurais são um bocadinho diferentes e o tempo para nos juntarmos todos não é uma prioridade. Pode ser que ao partilhar este pedacinho convosco novas ideias surjam das vontades que já existem!

Para além deste enfoque social houve tempo dedicado ao conhecimento da flora local, a passeios por entre florestas e jardim repletos de grandes abóboras, couves, acelgas e tudo o que o Inverno que se aproxima nos permite cultivar. Tivemos a sorte de poder aprender técnicas de conservação de diferentes sementes e trocar sementes entre todos nós, pessoalmente estas trocas são as mais valiosas que existem já que estamos a trocar vida em si, o potencial de criar gerações futuras mais sustentáveis e adaptadas às mudanças que vão acontecendo.

O tempo foi passado em grande harmonia com muita troca de saberes e ideias que tal como as sementes esperamos que germinem no futuro. As pessoas com quem passei esta semana são todas elas impulsionadoras de vida e gostava de vos deixar um bocadinho (só um cheirinho) do que se vive no rasto das pegadas que eles vão deixando nos seus luminosos caminhos:

O Manuel está envolvido no Proyecto Extiercol em Málaga, onde colectivamente produzem alimentos de alta qualidade em Agricultura Natural que compartem com as redondezas, com ele aprendi um bocadinho das técnicas de criação de fertilidade como a utilização de Bokashi e dos Microorganismos Nativos Eficientes. Para além disso ele tem um papel muito activo na sua comunidade, já que é parte da lista do governo local, nunca pensando seguir essa via política, a necessidade de intervenção chamou por ele e a mudança está a ser feita a partir de dentro.

A Gabi e o Eugen que vieram de autocarro da Moldávia estão submersos na missão de reflorestar a paisagem muito desertificada do seu país através de projectos de Agroflorestação. Para além de serem apaixonados por árvores de fruto, principalmente de frutos secos, eles promovem campanhas de plantação de áreas extensas onde uma quantidade grande de voluntários é chamado à acção para melhorar a herança territorial que lhes foi deixada. Foi muito bonito ver o quão emocionados estavam ao levar algumas das sementes das diferentes avelaneiras locais, uma lembrança de que realmente não existe tesouro maior. http://seeditforward.org/

A Francesca está envolvida num projecto em Itália chamado Rise Hub onde convidam pessoas que vivem na Vila onde mora, tanto emigrantes como locais, a uma dedicação à terra e ao envolvimento social e susrtentável. Este Verão dedicaram-se a desenvolver um produto de polpa de tomate para que pudessem ter um retorno do seu trabalho. O factor de integração social é sem dúvida o grande obejctivo e nada melhor que trabalhar com a Terra para que todos sejam incluídos.

Esta é só uma pequena amostra da vitalidade que se sentia num grupo tão diverso, fico muito feliz por ter tido a oportunidade de me juntar a este grupo de gigantes que sabem estar com os pés e as mãos bem no chão! Apesar de não ter a rotina de andar de câmara ao ombro fico feliz que outras pessoas o façam tão genuinamente, quase como se fosse a transparência do que veêm, agradeço-lhes por me lembrarem da importância deste registo e por permitirem que o partilhe convosco.

E aqui fica o tamanho imenso da gratidão que preenche bastante mais espaço que estas palavras, desculpem se me alonguei demasiado, mas o que o coração deixa impresso tem o som da cantiga que deve ser cantada :)

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