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O Espaço do Vagar - Imbolc ou Candelária


O renascer da Terra - micélio a libertar néctar dourado

Estávamos a escrever a newsletter deste mês de Fevereiro para vos enviar quando nos apercebemos da força da palavra cultura e o tanto que vive nela. Não sei se é só porque gostamos de palavras, mas aconchega-nos o facto de sabermos da ancestralidade dos muitos alguéns que generaram palavras, epor se sentirem tão bem nesse acto de criação não conseguiram parar de inventar mais e mais palavras para nomear o mundo que somos.

Mas a palavra cultura tem um sabor especial, pois cultus é a raíz latina que suporta a palavra e se pensarmos em mais palavras com esta raíz somos tomados por assalto pelos actos que faziam todos os povos antes de nós, pelo que criava as comunidades que éramos.

Cultura é o cultivo de alguma coisa, ao cultivar-se algo estamos a cuidar dele para que cresça. Cultura não é só o lado intelectual com que nomeamos uma secção do jornal de sábado, se bem que sempre podemos cultivar o nosso terreno interior com pedaços que vamos lendo por lá, mas cultura é muito mais do que o lado intelectualizado da civilização.

Cultura traz cultivo e culto com ela e não havia sociedades tradicionais que não fizessem deste casamento o seu ritmo diário de vivência. Cultivava-se a Terra, pois ao dedicarmo-nos a ela, ela cuidaria de nós. Homenageávamos o que nos era sagrado ou divino através de ritos ou celebrações porque sabiamos da importância de incluírmos todos no processo de agradecimento e por isso prestávamos culto aos Elementos, à Terra e ao Cosmos. Cultivávamos relações porque sabiamos que tudo estava inter-conectado e sem essa harmonia nada florescia, o que liga a cultura é o dar tempo e espaço para um cuidar mútuo, é a conversa que tem tempo para ouvir e tempo para falar.

Daí a necessidade das celebrações, a imposição de tempo para o vagar, o deixar vazio o nós para nos dedicarmos ao outro, o processo de fazer as coisas lentamente.

Hoje, dia 2 de Fevereiro, é marcado como o dia do Imbolc ou Candelária nos calendários modernos, mas a verdade é que antigamente não haveria um dia só para se celebrar algo, não havia a pressa de ter que se resolver as coisas rápido porque depois ainda temos que ir buscar os miúdos à escola, ir às compras, ir aos correios, fazer o jantar... mas será que nos encontramos presentes em todos esses afazeres?

Antes haviam tempos dedicados a trazer o melhor de nós mesmos, pois tempo antes de ser dinheiro é amor. Como em qualquer Solstício ou Equinócio o tempo de cuidarmos do nosso crescimento pessoal e comunitário alongava-se por uma semana ou mais, era um período de tempo onde o agora é o presente que doamos a quem mais respeitamos. Neste mês os momentos reminescentes do culto à Terra que começa a acordar são mais que muitos, e mostram a vontade que tínhamos de prestar homenagem ao ser mais vivo de todos que esteve a dormitar durante uma estação, para isso tentávamos replicar no exterior o que queriamos que fosse sentido no interior, porque nós também somos Terra.

O Imbolc é o primeiro na procissão e pedia-nos a imersão num descongelamento pessoal, para estarmos preparados para a abundância do aquecimento do solo e nas possibilidades que este traz dentro de nós como indivíduos. É época de vagar espaço em nós para deixarmos novas experiências crescerem e não caírmos no modo desadequado na repetição do mesmo que já fomos. Limpava-se as casas, as ferramentas, davam-se coisas que estivessem a mais e de que já não precisávamos, iamos às fontes sagradas para nos purificarmos e assim começaríamos um novo ciclo.

E o S. Valentim? Porque estará alinhado com o começo da época de acasalamento dos pássaros? Será que queremos estar disponíveis para a fertilidade em sincronia com o reino dos alados e da Terra? Quando começamos a olhar à nossa volta há uma sincronia com tudo o que nos rodeia, e as novas ideias surgem de outras que estão continuamente a ser criadas à nossa volta. Fazemos parte de um Todo e a cultura não é relativa a um país mas ao ponto em comum que é a Natureza.

E de onde vem a necessidade de nos vestirmos de forma colorida a recriar seres que gostaríamos de ser? Será que estamos somente a tenter espelhar a abundância e criatividade da natureza para inspirá-la a vibrar de novo connosco? Um cultivo da Terra de forma diferente, um cultivo que estimula o crescer do outro, um "Anda lá, nós aqui já estamos prontos para começar, olha só a diversidade que somos!". Uma comemoração semelhante ao Entrudo acontecia na Festa dedicada a Osiris, o deus do subterrâneo e regeneração dos Egípcios, esta celebração marcava o recuo das águas do Nilo e a possibilidade de se começar a semear nesses terrenos fertilizados pelos minerais deixados pelas águas. As pessoas dançavam fantasiadas ao som de músicas alegres e em vez de confetis atiravam-se sementes ao ar como forma de oferenda a este deus, as primeiras sementeiras estavam semeadas.

Cultura é cuidar e honrar em modo activo, porque queremos ser participantes no contar da história da Terra, queremos escutar e contar Vida. Este é tempo de vagarmos a mente do exclusivamente intelectual e entrarmos em modo criador, porque a nossa primeira mãe, aquela que desejamos imitar como fonte de aprendizagem é a Mãe Terra.

"Não é da luz do sol que carecemos. Milenarmente a grande estrela iluminou a terra e, afinal, nós pouco aprendemos a ver. O mundo necessita ser visto sob outra luz: a luz do luar, essa claridade que cai com respeito e delicadeza. Só a lua revela intimidade da nossa morada terrestre. Necessitamos não do nascer do sol. Carecemos do nascer da Terra." Mia Couto em Contos do nascer da Terra

 
 
 

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