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"Migração, exclusão e resistência” de Carla Filipe


Desde Abril até Junho estivemos a trabalhar num projecto bem fora do comum. A artista Carla Filipe precisava de ajuda para aplicar em Serralves a obra que tinha exposto na 32ª Bienal de São Paulo, e claro nós aceitamos com vontade o desafio.

Enquanto estava no Brasil a Carla entrou em contacto com o movimento local de Agroecologia e tomou conhecimento das PANC's (Plantas Alimentícias Não Convencionais) ou como chamamos nós de uma forma menos arrojada: as plantas silvestres comestíveis. Desde logo percebeu a importância destes seres resilientes e entendeu que era necessário dar a conhecer este mundo de complexas adaptações pelas quais elas passam. Desse entedimento nasceu a sua obra "Migração, exclusão e resistência”.

Durante meses trabalhamos no ambiente acolhedor dos jardins de Serralves, como forma de equipa de salvamento das plantas espontâneas menos desejadas. Num parque de 18 hectares como o de Serralves sabemos que é difícil gerir toda a espontaneidade e efervescência destas espécies e por muito que nos sintamos em contacto com a natureza, é uma natureza arranjada, mantida por uma equipa grande de jardineiros. Andávamos de pás e tabuleiros nas mãos e com a ajuda dos jardineiros envasáva-mos com cuidado cada uma das plantas. O dia-a-dia destas pessoas consiste em grande parte na remoção destes seres que acordam pelo parque fora, porque elas destoam demasiado, dão a noção que o sítio não é cuidado. Enquanto trabalhávamos com eles percebia-se a admiração pelo facto de estarmos a fazer o trabalho de forma inversa. Foram muitas as vezes em que vimos o seu entusiasmo enquanto trabalhavamos, alguns já as tinham utilizado de forma medicinal e até já tinham comido uma salada com pétalas de calêndula quando uma artista alemã esteve por lá a instalar a sua obra.

São momentos destes, que a Carla veio proporcionar a um espaço de trabalho e supomos que mais tarde ao espaço de visita à sua obra. Estas plantas mostram-nos como superar esta forma incerta em que vivemos, como dar o salto nestas grandes mudanças ecológicas, sociais, políticas e individuais.

Apium nodiflorum, Viola raviniana, Prunella vulgaris, Artemisia vulgaris, Taraxacum officinale, Plantago majus, Malva sylvestris, Arctium lappa, Mentha pulegium, Oenothera biennis, Humulus lupulus, Portulaca oleraceae, Rumex acetosa...

São alguns dos nomes de quem foi plantado em canteiros imprevisíveis no dia da instalação, a Carla e nós plantamos cerca de 700 plantas, todas elas que iam de outra forma ser suprimidas dos olhares dos visitantes. A mensagem que passa é bastante forte, mesmo que excluídas do Parque estas plantas voltam a ganhar voz, qualquer cantinho dá para viver e mesmo num Verão quente continuam resistindo com as suas raízes fortes e com a certeza que as suas sementes encontrarão sítios melhores onde crescer numa próxima geração.

É bom saber que estas plantas entraram num circuíto que não lhes é conhecido, que as suas capacidades chegarão a cada vez mais gente. Agradecemos-te Carla Filipe pela atenção que lhes dás na tua obra e a forma como criaste uma oportunidade única para as pessoas ficarem a conhecer um lado silvestre que em vez de ser suprimido deve ser exaltado.

O Museu de Serralves continuará a apresentar até ao dia 1 de Outubro a exposição INCERTEZA VIVA: UMA EXPOSIÇÃO A PARTIR DA 32ª BIENAL DE SÃO PAULO e a obra da Carla Filipe está na entrada do Museu, no Pátio da Adelina, um espaço aberto ao público em geral, por isso nem é preciso comprar bilhete. No entanto, vale a pena verem a exposição toda e passarem pelo Parque onde estão algumas das instalações.

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