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Oikos - Falta de Reconhecimento e Má Gestão


Que bom que é cuidar da nossa casa. Compramos um sofá ou um tapete novo, varremos o chão, pomos uma planta de interior naquele cantinho que precisava de ser preenchido, não só porque fica bonito, mas porque achamos que vai melhorar a energia do lugar. Foi o que sempre fizemos desde que nos lembramos, e mesmo antes de nós. Lá na aldeia faziam-se também as limpezas de Páscoa e as de Outono para termos a certeza que havia uma ordem de cuidados que se perpetuariam no bem-estar de quem lá habita.

Os dias vão passando, a casa vai acumulando tralha, parece que as coisas estão deliberadamente a mais para que percebamos os padrões de complexidade que por natureza desenvolvemos mas a que tendemos chamar de caos. Com laivos de obstinação continuamos a limpar, a tentar minimizar o que nos faz confusão para que a casa esteja minimamente organizada... Tomamos banho todos os dias, lavamos os dentes mas no entanto passamos anos a não mastigar direito, a comer o que não é de todo o mais adequado à nossa constituição, achamos que é normal evacuarmos uma vez ao dia e o padrão de não entendimento do Todo continua a ser replicado.

O mesmo acontece na educação, durante os anos de escolarização as infinitas páginas de livros acumulam-se em matéria que nem por nós é processada, que por ficar compartimentada não é decomposta em algo que nos ascende. Quantos são aqueles que ainda têm dentro de si os nomes das estações e apiadeiros de Portugal, de um território em que as estruturas valiam mais que as suas riquezas naturais?

O Minimalismo da Mente que recusa os Padrões

E aqui estamos nós numa casa limpinha, com as paredes brancas, um sofá moderno, a mesa de café com linhas rectas que condiz com o sofá e claro aqueles livros grossos cheios de imagens fotogénicas para irem entretendo as horas de quem por lá se senta. Isto não é uma sala de espera, é a minha sala... Não vês ali a moldura pendurada com a aguarela que a minha filha fez?

Sim, no meio de tantas opções compradas conseguimos ver uma réstia de humanidade, o caos criativo que uma criança de 4 anos consegue fazer despontar de uns lápis coloridos que antes eram de chamados de cera agora são de parafina.

Esse é o vestígio de esperança, esses riscos são o oásis num deserto de conformidade, num minimalismo imposto que aceitamos para não nos sentirmos fora do lugar. É por isso que a maioria dos adultos diz-se incapaz de desenhar. Não queremos destoar, não arriscamos ser os riscos coloridos porque já não percebemos que nesse padrão de caos há uma ordem imutável. Ao recusarmos ser riscos deixamos de perceber a natureza e os seus padrões, não somos mais elementos preciosos da sua criação.

Mas por alguma razão incluimos esse desenho na nossa sala. Não é por ser uma obra-prima fruto do movimento do Abstracionismo, o que nos move é o factor emocional, afinal aquele desenho foi feito para mim num dia especial e não o poderia esconder numa gaveta. Aqui está! É essa emoção que nos rebenta o preconceito de "control freaks" e nos faz aceitar um padrão que não vemos como nosso, que até pode ser confuso mas que nos harmoniza de alguma forma, que nos faz sentir bem quando olhamos para ele. É esta emoção que vem ao de cima quando vemos o nosso país em chamas, quando sentimos que temos que agir. É este olhar que a Natureza nos está pacientemente a pedir.

O Estudo e a Gestão do Lar

Desde que vim de Pedrógão Grande que esta ideia me tem preenchido. A crescente incapacidade que o ser humano ocidentalizado tem de compreender padrões naturais, a imposição do homem dito arrumado na paisagem. A complexidade do macro que se espelha no micro é tão intensa que nos deixa por vezes com sentimento de não pertença.

A insegurança apodera-se de nós, não nos sentimos capazes de lidar com tamanha grandeza, no fundo parece-nos desorganizada porque não entendemos a sua linguagem. Numa caminhada pelo bosque surgem questões como: "Será que esta é mesmo a planta certa? O guia de campo diz que tem a folha com margem serrada, mas não sei bem se é isto a que se referem..." Mentalmente não faz sentido porque nos esquecemos que esta linguagem é a nossa nativa mas quando envolvemos a emoção somos bem capazes de lá voltar.

Quando o Zoologista alemão Ernst Haeckel cunhou em 1873 o termo Ökologie ou Ecologia, adicionou o sufixo Oikos ou Eco à palavra logia por alguma razão. Oikos é a palavra grega que significa casa ou lar, logia é o campo de estudo de algum assunto ou disciplina.

Então Ecologia é o estudo ou entendimento do nosso lar, tanto o nosso lar caseiro com as paredes que o definem como abrigo como também o planeta que habitamos, um tem telhado, o outro horizonte. Um controlamos e o outro não percebemos mas tentamos controlar.

Cuidar da nossa casa é a nossa tarefa, sabemos onde fica a esfregona, os talheres, os livros... O mesmo acontece quando vamos a um jardim botânico ou um parque cuidado. As linhas-guia estão humanizadas e fazem-nos pertencer ao espaço através de placas de identificação de espécies, de zonas de intervenção ou de trilhos específicos. Mas o que seria de nós numa floresta sem bússola? O que aconteceria ao nosso compasso interno? Provavelmente começariamos a usar a experiência própria da observação como fonte de conhecimento válido.

Neste momento, com mais ou menos ironia, vivemos num país que está regrado por sistemas que não entendem o espaço natural como habitat. Chamam de Economia à transferência de créditos fictícios em vez de basear-se na gestão dos recursos do nosso Lar. A falta de conhecimento do que é Casa é o que nos leva à má gestão do território.

Precisamos de fazer renascer as economias-base que assentam na ética de voltar a tratar do espaço que habitamos, como fonte de recursos de abundância que é e não num estado de escassez permanente. Por aqui já estamos a preparar-nos para isso, não basta apontar dedos há que pô-los na Terra e voltar a falar a sua língua de caos harmonioso.

Está na altura de cuidarmos da Casa para promover o bem-estar. Vamos criar riscos coloridos que enchem de esperança os espaços em preto?

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