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Rita Roquette

Ser Persistente é Ser Homem



Já estão todas a dormir.


Todo aquele ruído de vento pesou-lhes nas pestanas. Tornaram-se ainda mais ruidosas e roncam a cada passada vossa. Os pequenos saltam de alegria, atiram-nas ao ar e fazem chuva delas. É pela sede de proximidade que vos caem aos pés.

Primeiro tentam chamar-vos à atenção: umas ficam coradas, outras doiram, outras ainda se penduram por um fio e dançam. Quem as vê não se admira que depois de mais de 200 dias retidas na fonte se sintam fartas de atentar à lei da gravidade então, dão o salto. Voam, planam e aterram suavemente no chão. Encontram-se com as frutas da época, por vezes ficam só com os espinhos, conversam com uma fruta esborrachada e perdem-se nas divagações do cheiro a fermentado.

É na sombra do que foram que se fazem terra escura e alimentam o verde perene.


Nós, folhas persistentes, aqui estamos a ver de perto este fenómeno acontecer: escavamos pastinacas, tupinambos, batatas doces, beterrabas, provamos o resultado da vindima deste ano, assamos castanhas, secamos cogumelos e dióspiros, pomos estacas no chão, semeamos favas, plantamos cebolo, transplantamos árvores, fazemos sebes, cozinhamos almoços tardios, conversamos, reacendemos a brasa da fogueira, lemos, pomos a correspondência em dia e pintamos com tinta colhida à mão, feita do fruto da folha caída.


Pintamos porque é a mudança de Estação que nos dá a cor e a esperança. Haverá forma melhor de honrarmos as folhas caducas e a sabedoria que nos ensina a vivenciar cada inverno?


Eras sobre eras se somem No tempo que em eras vem.

Ser persistente é ser homem.

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