Há uns meses vimos os nossos vizinhos a podar os choupos negros - Populus nigra - que têm no seu terreno e durante alguns tempos vimos uma pilha de ramos meio que esquecidos na margem do rio. Como não gostamos de desperdicios começamos a usar os ramos já cortados como marcadores de plantas que plantamos recentemente, para sabermos onde estão no caso de as plantas que as rodeiam se tornarem altas demais e encobrirem os recém-chegados,
Um dia enquanto passava por um destes marcadores fui hipnotizada pela curiosidade de experimentar um dos brotos destes ramos, que de um dia para outro se mostravam inchados e suculentos. O resultado foi fantástico: uma resina encerou-me os dentes de amarelo vivo e de um sabor extremamente parecido com salicilina, será que era mesmo isso?
Uma das formas mais eficientes de aprendermos com as plantas é a experiência directa que temos com elas. O para além da linguagem é difícil ser abraçado pelo racional mais que animal que queremos acreditar que somos, mas uma vez que nos é dada a certeza que as consequências de o fazermos são libertadoras é como se ganhássemos asas e não há volta a dar.
Durante uns dias continuei a mordiscar os rebentos e ao mesmo tempo a certeza crescia em mim de que o sabor era mesmo o da salicilina pois já conhecia o seu sabor que me foi introduzido por algumas espécies de salgueiro.
A curiosidade tem o seu tempo, o seu momento de actuar, e diria que é essencial neste regime de auto-educação porque muitos de nós estamos a passar: seja em questões de alimentação, de ecologia, de economia ou simplesmente no reaprender a ser mais simples. O experimentar faz de nós maiores mas a curiosidade que cada um carrega é sempre o ponto de partida para toda a mudança que queremos ver acontecer, é como se a motivação interna estivesse alinhada com tudo o resto e raras são as dúvidas que aquele é o caminho certo.
O que nos desperta a curiosidade é uma sem número de coisas, é o que nos tira do presente e nos absorve, é o que nos deixa encantados. É este encantamento pelo natural que alimenta a curiosidade, este deixar-nos levar pela canção dos seres que habitam connosco esta Terra, seres que até podem nem parecer tão vivos quanto nós mas que nos prendem e querem ser tocados e tocar-nos, como os ramos de choupo que apesar de cortados mostraram-se vivos pela curiosidade de ver a Primavera.
A resistência à curiosidade acontece em nós adultos com mais determinação que nas crianças, mas a verdade é que uma vez deixado esse estado de espírito curioso entrar em nós é difícil dizer que não à onda contínua de momentos mágicos que nos envolvem. É fácil de perceber porque é que aqueles que habitam e se referem às florestas como lar veem oráculos em tudo o que os desperta para a conexão com a Terra, pois se me chamou a atenção é porque me diz respeito.
E eis o espanto quando ouvimos a curiosidade nos chamar e sem medos lhe confiamos a nossa mão para ela nos guiar num caminho ainda desconhecido mas com certeza merecido: um óleo macerado com cheiro a resina de floresta quente com um quê de baunilha de propriedades anti-inflamatórias e analgésicas incríveis...
A etnobotânica vive nas plantas em si, nos fósseis onde elas dormem por milénios, nas histórias que as pessoas guardam e deixam voar no momento certo, nos livros que nos trazem a preciosidade de informarção colhida pelos muitos que viam as plantas como tesouros. Tanto a bíblia como o conto "O Corvo" de Edgar Allan Poe falam-nos de um bálsamo que tudo curava, uma essência trazida da zona montanhosa de Giliade, a este do Rio Jordão na Jordânia, zona conhecida pelas suas especiarías e pomadas medicinais. Existem várias possibilidades de plantas que possam ter sido usadas na produção deste bálsamo mas o choupo é sem dúvida uma das fortes candidatas.
Deixamo-vos aqui a receita do óleo macerado para se tiverem a sorte de terem alguns choupos por perto e já agora fiquem de olho porque os choupos costumam acolher uma espécie magnífica de cogumelos, o Agrocybe aegerita ou Agrocybe cylindracea.
Lembrem-se que cada broto que tirarem são menos algumas folhas que deixarão de ajudar a árvore na fotossíntese, por isso tentemos ser moderados na nossa recolha para o equilíbrio do Todo de que fazemos parte.
Bálsamo de Gileade ou Bálsamo de Rebentos de Choupo
1 parte de rebentos de Choupo
1 a 2 partes de azeite ou óleo de girassol bio
Colher os rebentos do choupo ainda antes destes estarem abertos mas quando estiverem já inchados, lá para o fim de Março, início de Abril. Usar uma tábua e uma pedra redonda e estalar um bocadinho cada rebento. Pôr os rebentos no frasco e submergir no óleo que escolheram. Deixar a repousar durante 1 mês ou mais num local morno mas protegido da luz do Sol e ir mexendo ou agitando o frasco de vez em quando, de preferência uma vez por dia.
Ao fim do tempo que acharem adequado é preciso coar os rebentos e guardar o óleo num frasco de vidro escuro que pode ser guardado durante muitos anos.
Este óleo de textura suave e delicada pode ser usado em casos de condições inflamatórias como tendinites, artrites e reumatismo mas também no caso de músculos doridos ou em tensão, entorses e nódoas negras.
O óleo é destinado a uso externo e não é aconselhado o seu uso em demasia em pessoas com intolerância ao ácido acetilsalicílico ou aspirina já que o nosso corpo traduz a salicina em ácido acetilsalicílico e podem ser registadas reacções alérgicas.