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Fermentar para Nutrir I - Injera


Desde que vivemos sem o monstrinho milagroso chamado frigorífico, que muita gente acha que é imprescindível no dia-a-dia, apercebemo-nos do sem fim de oportunidades que existem para conservar a nossa comida. Sim, é bom beber um suminho frio de vez em quando ou ter comidas preparadas no congelador que estão prontas a alimentar um batalhão mas a verdade é que não é totalmente necessário nas nossas vidas.

Começamos a fermentar para prolongar a vida dos alimentos e a verdade é que é um universo tão absorvente que ainda não paramos de explorar nessa área. É um transmitir de cultura, é uma forma de Etnobotânica viva, é um borbulhar em comunidade.

Os processos que temos utilizados variam mas todos eles são activados por processos de fermentação natural, sem nenhuma introdução de colónias de bactérias e fermentos domesticados: são fermentações não civilizadas!

Temos experimentado fermentar com vegetais em forma de Pickles, Sauerkraut, Kimchi, em forma de bebidas como o Kefir de Água, Kombucha, Kvass, Cervejas de Plantas Silvestres, em forma de leguminosas e cereais como a Masa-mãe, Dosa, Injera, Acarajé, em forma de queijos vegan com nozes e sementes e condimentos como Ketchup, Píri-Píri, Vinagre de Cidra, Molho de Rábano e Mostarda. E depois claro, temos um sem número de fermentações para o solo como o chá de composto que em si já é uma fermentação, o churume de Urtiga, de Milefólio, Camomila que ajudam a estimular processos enzimáticos naturais do solo, a fortalecer as plantas e re-abastecer as colónias de microorganismos presentes.

"Mas por que razão é que eu vou ingerir microorganismos?

E ainda por cima selvagens?"

O processo de fermentação natural é das formas mais antigas que nós humanos conhecemos de preservar os alimentos e ao mesmo tempo torná-los mais assimiláveis e nutritivos. As fermentações são processos artesanais a que pessoas ancestrais dedicavam tempo para perceberem o processo e tornarem-se especializados nas diferentes culturas que carregavam, quase como se aprendessem a língua das culturas com que trabalhavam, a melodia que assobiavam passava a ser a mesma depois de algum tempo...

Desde que entramos numa era industrializada este tipo de fabrico, que requer tempo e habilidade foi posto de lado e retratado como antiquado para mal da nossa cultura e saúde.

Quando deixamos os alimentos a demolhar estamos a aumentar a biodisponibilidade dos nutrientes - hidratos de carbono, proteínas, vitaminas, minerais... - porque na verdade os alimentos naturais têm protecções denominadas de metabolitos secundários, que servem como organismos de defesa contra predadores e mudanças climáticas por exemplo como é o caso do ácido fítico que actua como um anti-nutriente e que previne a absorpção de cálcio, zinco e ferro. Enquanto demolhamos os alimentos a nutrição real torna-se disponível, várias estirpes de bactérias e fungos aproveitam e resolvem fazer um banquete de toda aquela abundância e é deste processo metabólico que nascem os produtos fermentados, os resultados variam mas é comum que álcool, ácido láctico, ácido acético e outros componentes sejam detectados e estes actuam como bio-conservantes dos alimentos, os nossos frigoríficos-vivos.

Durante este processo metabólico não só estamos a criar ambientes que prolongam a vida dos alimentos como a decomposição dos nutrientes em formas mais fáceis de digerir quase como uma pré-digestão, e muitas das vezes são até criados novos nutrientes como no caso de vitaminas B ou mesmo destruição de tóxinas como no caso da mandioca que contem cianeto mas que ao ser fermentado desaparece.

Muitas destas fermentações podem e devem ser ingeridas em estado crú para obtermos o potêncial total de toda esta nutrição disponível, no entanto, no caso dos cereais e leguminosas temos mais tendência a cozinhar o que faz com que de algumas bactérias benéficas sejam destruídas, no entanto, de uma forma global quando fermentamos temos acesso a uma rede de nutrição que não estaria acessível se cozinhássemos os alimentos sem passar por processo metabólico.

Vamos começar a partilhar algumas receitas que para nós são uma inspiração a nível de tradição, sabor e nutrição pois está mais do que na hora de voltarmos a cuidar da comida com o amor, tempo dedicação que ela merece.

Injera - Pão Etíope

- o pequeno grão que nutre a população -

Eragrostis tef ou simplesmente Teff é uma planta da família das Poaceae ou Gramíneas tal como o millet ou milho paínço. É uma planta nativa da Eritreia e Etiópia e que se adaptou a mudanças climáticas extremas e por isso pode crescer em áreas de seca extrema ou em área alagadas mas a sua produção máxima dá-se em altitudes superiores a 1800 metros. Teff é o grão mais pequeno utilizado na nossa alimentação no entanto coze mais rápido que outros grãos e por isso reduz a quantidade de lenha necessária para a prrreparação de refeições, é isento de glúten e oferece um alto teor de proteinas, fibras, carbo-hidratos e minerais como ferro, potássio, fósforo, magnésio e cálcio - ver http://nutritionfortheworld.wikifoundry.com/page/Original+Ethiopian+Injera+vs.+American+Injera

Injera é um pão achatado que se parece com um crepe e é a base de alimentação na Etiópia. A farinha de teff é fermentada durante uns dias e cozinhada para acompanhar a refeição como cereal principal.

Para começar precisamos de:

1 copo de farinha de teff ou grão moído na altura

1 copo de água de nascente, filtrada ou fervida

Num recipiente de vidro de misturamos a farinha com a água até estas estarem bem misturadas, tapamos com um pano para poder respirar e deixamos no balcão da cozinha ou noutro sítio quente da casa durante 2 ou 3 dias. Cada vez que passarmos pelo recipiente damos uma agitadela para mais ar entrar, abanando um bocadinho em movimentos circulares. Se a mantivermos num local frio vai durar mais tempo se não vamos ter que alimentá-la a cada 2/3 dias.

Esta será a nossa Massa-Mãe que ficará para a posteridade, quem sabe para as gerações futuras...

Depois de alguns dias vamos ver bolhinhas a virem à superfície:

Este burbulhar é a indicação de que a fermentação já está a acontecer e que podemos pasar ao passo seguinte...

Massa para Injera

faz 8 crepes

1 copo de Massa-Mãe de Teff - dada em cima

1 copo de farinha de teff

1 copo de água

1 pitada de sal

Retiramos um copo de Massa-Mãe e em retorno adicionamos meio copo de farinha de teff e de água, este é o método com que se trabalha com qualquer tipo de massa fermentada que queiramos manter. Numa nova tigela depositamos o copo de Massa-Mãe e o resto dos ingredientes e esperamos umas horas até vermos que a massa subiu e toda ela tem agora bolhinhas. Este processo depende da temperatura ambiente, quanto mais quente estiver mais rápido se dá a fermentação.

Quando a massa tiver crescido aquecemos uma frigideira larga em lume médio e passamos um bocadinho de nada de óleo de côco ou girassol, não queremos fritar a injera só queremos que não adira à frigideira. Quando a frigideira estiver quente - podem usar o teste da gota de massa - misturamos a massa com uma concha de sopa, e ao mesmo tempo que deixamos a massa escorrer vamos virando a frigideira para que a massa cubra o fundo tal como se faz um crepe, a massa não deve estar espessa mas deslizar bem na frigideira, se estiver muito grossa adicionem mais água. Mal a massa comece a mostrar bolhinhas no centro tapamos com uma tampa e deixamos cozinhas por mais 1 ou 2 minutos. Quando virmos que está cozida e as bordas estão soltas da frigideira podemos retirar a injera com a ajuda de uma espátula. O melhor é mantê-las num prato e empilhadas pois ficam mais moles que é o que queremos.

Injeras empilhadas prontas a receber os acompanhamentos.

Tradicionalmente as Injeras servem como de "prato e colher comestíveis" onde acompanhamentos são depositados em cima para o desfrute de todos. Acompamentos podem ser o que vos apetecer mas normalmente usam-se um prato de leguminosas, um de vegetais variados e um de verdes com muitas especiarias à mistura. Neste caso usamos um puré de batata doce com cominhos, gengibre e alho, um de beringela, tomate e coentros e couve-flor e cenoura fermentadas.

Injera é um prato maravilhoso e a verdade é que qualquer cereal pode ser usado para subsituir o teff se não estiver disponível, o processo é muito semelhante, na Índia usam arroz, lentilhas e feno-grego para fazer a massa, e nós já fizemos com farinha de grão de bico e também com feijão frade e estavam os dois deliciosos.

O melhor desta refeição é que se come com as mãos e sente-se a comida de uma forma mais sensorial. Esperemos que gostem e que vos incentive a exprimentar mais fermentados.

FONTES BIBLIOGRÁFICAS:

Katz, Sandor Elix 2003 Wild Fermentation: The Flavor, Nutrition, and Craft of Live-Culture Foods

Katz, Sandor Elix 2012 The Art of Fermentation: An In-Depth Exploration of Essential Concepts and Processes from around the World

Mollison, Bill 1993 The Permaculture Book of Ferment and Human Nutrition

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